domingo, 18 de outubro de 2009

DOMINGO, UMA FESTA PRIMORDIAL*


Na sociedade moderna ocupa cada vez mais espaço o aproveitamento do tempo livre. As férias, por exemplo, movimentam multidões em busca de lazer. Ele cresce em importância, surgindo poderosas organizações industriais para atender a variada demanda. O trabalho semanal de seis dias foi reduzido para cinco. Entretanto, surgem ocupações com prejuízo da vida religiosa. Como tudo ocorre em um ambiente onde Deus, os valores espirituais, são relegados a um segundo plano, ou simplesmente desprezados, o descanso dominical cede seu lugar ao lucro, ao dinheiro, às recreações profanas.

Eis que se faz ouvir uma voz profética sobre este assunto. Assinada com data de 31 de maio de 1998, na solenidade de Pentecostes, apresentada oficialmente ao público em 7 de julho, surge a Carta Apostólica “Dies Domini”, “Dia do Senhor”, do Papa João Paulo II, dirigida “ao Episcopado e aos fiéis da Igreja Católica, sobre a santificação do Domingo”.


Tratava-se do primeiro documento pontifício integralmente dedicado ao Dia do Senhor: seu valor, o papel humanizador que exerce e os obstáculos que lhe são opostos por um mundo paganizado. Após a Introdução, contempla o Domingo como a celebração da obra do Senhor, da Ressurreição do Redentor e Dom do Espírito, considera a assembleia eucarística alma do Domingo. O repouso, a alegria, a solidariedade como suas características. Termina com o significativo título para o capítulo V: “Dia dos dias, o Domingo, festa primordial, reveladora do sentido do tempo”.


A Ressurreição de Jesus, que celebramos no início de cada semana, é o “eixo fundamental da História, ao qual fazem referência o mistério das origens e o destino final do mundo” (nº 2). Quem possui a graça da Fé entenderá o entusiasmo de São Jerônimo: “O domingo é o dia Da Ressurreição, é o dia dos cristãos, é o nosso dia”. No tempo hodierno, com tantos obstáculos como o império do lucro, o dinheiro em decorrência do comércio aberto, certas atividades culturais e desportivas, restringem no fim de semana o horizonte do homem moderno, não lhe permitindo ver o céu.


O documento recorda o antropomorfismo do descanso de Deus e o relacionamento com o repouso dominical. Uma das características do povo hebreu é a observância desse exemplo do Senhor. O sábado desde a origem do cristianismo passou a ser o domingo, pois aí ocorreu a vitória sobre a Morte na Cruz. Diz a Carta Apostólica: “O repouso assume, assim, um típico valor sagrado: o fiel é convidado a repousar, não só como Deus o fez, mas a descansar no Senhor” (nº16). E continua: “O conteúdo do preceito não é, pois, primariamente, uma interrupção do trabalho qualquer, mas a celebração das maravilhas realizadas por Deus” (nº17).


As raízes do cumprimento do dever de celebrar o Domingo, que envolve na nova Lei a participação no Santo Sacrifício da Missa, estão nas origens da Humanidade, no Antigo Testamento e, hoje, nos fundamentos de nossa Fé. São um elemento da identidade cristã. No século II, o governador da Bitínia, Plínio, o Jovem, em carta endereçada ao Imperador Trajano se referia ao hábito dos cristãos de “se reunirem num dia fixo, antes da aurora, e entoarem juntos hinos a Cristo como deus”. Bem se pode avaliar o sacrifício que faziam, vivendo em uma sociedade cujo calendário, grego ou romano, não propiciava o domingo cristão. Por isso, reuniam-se antes do nascer do sol. Diz a Carta Apostólica: “A prática espontânea tornou-se, depois, norma sancionada juridicamente: o Dia do Senhor ritmou a História bimilenária da Igreja” (nº 30). São Justino, na sua Apologia Primeira, dirigida ao Imperador Antonino Pio, na metade do século II, alude à celebração dominical, utilizando a expressão: “no dia chamado do Sol”; descreve a celebração da qual participavam os cristãos “que moram na cidade ou nos campos e se reúnem num mesmo lugar”. Este é o mais antigo documento sobre a matéria que possuímos.


Há, portanto, uma tradição ininterrupta, desde o início da Igreja. Por mais de uma vez os escritos do Novo Testamento (Jo 20,1.19.26; At 20,7) se referem a reuniões feitas no Dia do Senhor. A celebração eucarística é parte integrante da mesma. Não se trata de uma oração individual, uma atitude religiosa privada. Somos uma comunidade, um corpo, o Corpo Místico de Cristo e, como tal, devemos agir. “Por isso, é importante que se reúna, para exprimir, em plenitude, a própria identidade da Igreja, a assembleia convocada pelo Senhor Ressuscitado” (nº 31).


Nesse dia se manifesta a unidade. As famílias cristãs participam na mesa da Palavra e do Pão da Vida. Compete aos pais, inclusive pelo exemplo, educar seus filhos no cumprimento de um grave preceito religioso: a participação na Missa. Nós obedecemos assim a Deus através da Igreja; essa obrigação não depende do nosso gosto, não somos livres de ir ou não ir. É uma imposição do Senhor e não opção nossa. O Código de Direito Canônico (cânon 1.247) é claro: “Nos domingos e nos outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a obrigação de participar da Missa”. E quando, por grave causa, falta de sacerdote, a presença na Missa for impossível, “recomenda-se vivamente que os fiéis participem da liturgia da Palavra (...) ou então, se dediquem à oração, por tempo conveniente” (Catecismo da Igreja Católica, nº 2.183).


Merece um atento exame o nosso comportamento sobre o Domingo, Dia do Senhor, fonte e fortaleza da vida religiosa.

* Artigo escrito por Dom Eugenio de Araujo Sales (Cardeal Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro)


Fonte: http://www.pastoralis.com.br/

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